FLÁVIA MILHORANCE
O brasileiro está engordando. É verdade que a obesidade depende da genética, mas seus níveis vêm aumentando por duas razões principais: sedentarismo e má alimentação. E o custo é alto: R$ 488 milhões foram gastos em 2011 pelo SUS com tratamento de obesidade e doenças relacionadas, mostrou uma pesquisa divulgada esta semana pelo Ministério da Saúde. Muito disto poderia ser reduzido com a prática de hábitos saudáveis que boa parte dos indivíduos sabe bem quais são. Mas a boa alimentação às vezes guarda pegadinhas. A dica de especialistas é ficar de olho em rótulos. Um exemplo traiçoeiro é a barrinha de cereal, opção para toda hora que parece saudável, mas nem tanto.
— Com o nome barrinha de cereal esperamos que o ingrediente principal seja o cereal, fonte de fibras. Mas é só pesquisar os rótulos. Há boas opções, mas eu rasgo meu diploma se a maioria delas não vier com o xarope de glicose na frente da lista — comenta Bia Rique, chefe de nutrição da enfermaria de cirurgia plástica da Santa Casa da Misericórdia do Rio e autora do livro “Comer para Emagrecer”.
Na lista destes falsos inocentes, Bia acrescenta produtos industrializados com rótulos light ou diet:
— As pessoas acham que podem consumir à vontade doces, biscoitinhos naturais, sorvetes com estes rótulos. Eles parecem inofensivos, mas não é porque é light que pode comer muito.
Adoçantes e absorção de energia
Especialista em nutrição clínica e estética, Lucianna Jardim explica que estes produtos são carregados de adoçante, que acelera a absorção de energia.
—Numa refeição com refrigerante zero, o indivíduo pode estar evitando a caloria da bebida, mas o produto ativará o intestino a absorver mais calorias da refeição — explica Lucianna, que ainda afirma que eles podem ser tóxicos ao organismo. — Na década de 1980, quando o aspartame foi liberado, não havia esse consumo exagerado de hoje. Boa parte dos produtos light e diet tem adoçante na fórmula. Há inclusive estudos não conclusivos relacionando adoçantes ao risco de câncer.
O famoso frozen iogurt também entraria na lista, segundo Lucianna:
— É melhor do que sorvete, porque há marcas com probióticos, o que é bom para o intestino. Mas um pote pequeno tem 20g de carboidratos e poucos nutrientes.
Segundo as nutricionistas, uma alimentação menos industrializada, apesar de mais calórica, pode ser melhor, pois é mais nutritiva e saudável.
— O açaí é super calórico (200g gramas dele puro tem 130 calorias. Adicionando guaraná e outros, passa de 500 calorias), mas é benéfico porque tem antioxidantes — exemplifica Bia.
Os melhores exemplos dos calóricos do bem são as oleaginosas: castanhas em geral, nozes e macadâmias têm cerca de 800 calorias a cada 100g, mas são fonte de fibras e gorduras monoinsaturadas, boas para regulação dos hormônios, redução do abdômen e proteção cardiovascular. Salmão e azeite de oliva entram nesta lista.
Açúcar, o vilão da obesidade
O pediatra americano Robert Lustig vem causando polêmica ao defender que o consumo de açúcar é pior do que de gordura no que se refere à epidemia global de obesidade, um raciocínio oposto ao que é defendido hoje. Autor do livro “Fat Chance: The Bitter Truth About Sugar” (A vez da gordura: a verdade amarga sobre o açúcar, em tradução livre), ele compara o açúcar a drogas como cocaína e heroína, por ser tóxico e viciante. Os rios de refrigerante consumidos por jovens teriam mais a ver com a obesidade do que as montanhas de hambúrgueres, porque, ele diz, o açúcar eleva os níveis de insulina, que leva ao acúmulo de células de gordura.
— Precisamos “desadoçar” nossas vidas, tornar o açúcar um prazer, não uma dieta — disse Lustig ao jornal britânico “The Guardian”.
Não é que ele defenda o fast-food, com pães feitos a partir de carboidratos brancos, refinados. Pelo contrário: estes estariam entre os vilões da alimentação, assim como os refrigerantes.
— Além de engordar, são calorias vazias, sem nutrientes — explica Bia, que inclui salgadinhos industrializados e álcool no grupo. — Alguns estudos, no entanto, mostram que uma taça de vinho por dia faz bem para o coração.
Mas nem só de frutas e verduras vivemos, e Bia é a primeira a concordar:
— Se a pessoa tem uma dieta super saudável, pode reservar em torno de 200 calorias vazias por dia. O problema é que esta margem é pequena mesmo, e geralmente há excessos.
Excessos, muitas vezes, nem percebidos, já que Bia alerta para rótulos com informações falsas sobre calorias.
— Há dez anos a Anvisa criou a norma, mas não tem como fiscalizar. Então há empresas que a descumprem.
Não bastasse isso, um estudo divulgado na “Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics” mostrou que consumidores calculam mal o conteúdo nutricional dos produtos que têm duas ou mais porções por embalagem, mas são consumidos de uma vez.
— A embalagem dá o valor nutricional de cinco amendoins, mas ninguém come só isso — afirma Luciana, que também aconselha checarmos a quantidade de sódio dos produtos.
Ano passado, a Anvisa obrigou indústrias a reduzir o sal, além de tornar mais rígidas as regras para termos como “light”, “baixo”, “rico” e “não contém”.
Comer até o extremo
O que aconteceria se ingeríssemos, literalmente, toda a comida que o estômago pode suportar? Apesar de ser quase impossível, a revista “New Scientist” lembrou de um caso de 1891, no qual um homem de 52 anos, de Estocolmo, na Suécia, morreu por superlotar o estômago até o ponto de estourar.
Normalmente, o corpo emite uma série de reflexos protetores para evitar um excesso como este. Quando o balão do estômago passa de um determinado ponto, seja para acomodar um jantar de feriado ou beber mais cerveja, os receptores da parede do órgão mandam sinais ao cérebro, que, por sua vez, entende que o indivíduo está mais do que satisfeito e que é hora de parar.
— Muitas pessoas, assim como eu, de vez em quando, comem até ultrapassar este ponto — afirmou o gastroenterologista Mike Jones, da Universidade de Virginia Commonwealth, em Richmond. — Mas os sinais crescem cada vez mais: há dor, náusea e regurgitação. Um estômago saudável vai se esvaziar sozinho antes de atingir a ruptura.
A menos que por algum motivo ele não possa fazê-lo. O homem de Estocolmo tinha ingerido uma grande quantidade de pílulas de ópio antes de todo este processo. O professor de medicina, Algot Key-Aberg, que realizou a autópsia do indivíduo, intrigado com o caso, passou a realizar novas experiências com cadáveres, 30 no total. O professor descobriu que, em média, a ruptura ocorria depois da ingestão de três ou quatro litros. Se colocado sem forçar o órgão, chegava a seis ou sete litros.
Em 1984, outro caso chocante: uma mulher chegou à emergência do Hospital Royal Liverpool, no Reino Unido, com quase nove quilos de comida. Ela morreu em seguida, não se sabe como. Pesquisas mais recentes mostraram que quanto mais se come, mais é possível comer. Ou seja, é possível estender o limite do estômago, o que ocorre, por exemplo, com obesos.
Grupos de alimentos
Os vilões
Engordam e não têm nenhum valor nutritivo. Poderiam ser retirados da dieta. No topo da lista, estão os salgadinhos industrializados, biscoitos doces, bebidas alcoólicas, e refrigerantes. Pães de farinha de trigo refinada poderiam ser substituídos pelos integrais, absorvidos mais lentamente, engordando menos. A gordura saturada da carne vermelha também é maléfica, melhor não passar de duas porções por semana e evitar a gordura da picanha, torresmo e bacon.
Engordam, mas fazem bem
Não é para abusar. Mas os chocolates com mais de 80% de cacau são ricos em flavonoides, benéficos para o coração, e fonte de energia. O açaí tem propriedades antioxidantes. As castanhas e as frutas secas têm uma série de benefícios, entre eles, para o coração. O suco de laranja e de uva (de garrafa) são calóricos, mas compensam em nutrientes.
Os falsos inocentes
Muitas das barrinhas de cereais têm, no fim das contas, pouco cereal e muito açúcar. Sucos industrializados também. Os produtos diet e light são compostos de adoçante, que aumenta absorção de calorias, e outros produtos químicos.
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Fonte: globo.com 23/03/2013