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Semente geneticamente modificada não pode ser enquadrada na Lei de Proteção à Propriedade Intelectual

A Justiça do Rio Grande do Sul determinou a suspensão, em caráter liminar, da cobrança de royalties sobre a comercialização da soja transgênica produzida no Brasil. O juiz Giovanni Conti entendeu que a semente produzida pela Monsanto não pode ser enquadrada na Lei de Proteção à Propriedade Intelectual, estabelecendo a imediata interrupção da cobrança de taxas, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 milhão.

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Em nota divulgada à imprensa, a Monsanto afirma que apresentou embargo da decisão da 15ª Vara Cível de Porto Alegre. Com o recurso, a empresa alega que suspendeu todos os efeitos da sentença e que continua a cobrar pelo uso do seu produto.

Por outro lado, o juiz Giovanni Conti disse ao Última Instância que “não há nenhuma hipótese da possibilidade de suspender a sentença”. Ele explicou que o prazo para que as partes recorram vence na próxima terça (17/4) e que, portanto, ainda não recebeu os autos com os novos procedimentos.

De acordo com o juiz, o mecanismo jurídico do embargo busca esclarecer eventuais pontos de “omissão, obscuridade ou contradição” que não tenham sido compreendidos por alguma das partes na sentença. Caso receba na próxima quarta (18/4) em seu gabinete os autos com os eventuais embargos, Conti afirmou que há a possibilidade de reforma de elementos da decisão, sem a alteração do mérito analisado.

Conti advertiu também que, caso haja denúncias e ações judiciais revelando que a Monsanto continua a cobrar os royalties, existe sim a possibilidade de aplicação da multa milionária.

A Fetag-RS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul), entretanto, afirmou ao Última Instância que ainda não teve notícias de taxas cobradas aos agricultores desde a publicação da decisão, na última quarta (11/4), até a tarde desta segunda (16/4). Mas a instituição já orientou os sojicultores a não aceitar a cobrança de taxas no ato de compra das sementes. “Se for cobrado, deve estar especificado na nota fiscal o que está sendo cobrado e por qual motivo”, afirmou Elton Weber, presidente da Fetag-RS.

Propriedade intelectual

A decisão julgou parcialmente procedente a ação coletiva ingressada pela Fetag-RS e pelos Sindicatos Rurais dos municípios gaúchos de Passo Fundo, Sertão, Santiago, Giruá e Arvorezinha. Ficou estipulado que, além de estar sujeita à multa diária, a Monsanto deverá ressarcir os produtores de soja pelos royalties cobrados a partir da safra 2003/2004.

No mérito, a Justiça determinou que os produtores de soja têm o direito de reservar o produto transgênico tanto para o replantio, quanto para a comercialização, sem ter que pagar qualquer tipo de royalty à empresa. O mecanismo posto em prática pela Monsanto até então recolhia uma taxa de 2% sobre toda a soja transgênica comercializada no Brasil e vendida para o exterior.

A análise do mérito estabeleceu que a semente de soja geneticamente modificada não pode ser tratada como um produto inovador, dotado de propriedade intelectual e objeto de registro de patente. Desta maneira, os grãos da chamada soja RR (Roundup Ready) ficam enquadrados na Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9.456/1997), à revelia da Lei de Proteção à Propriedade Intelectual (Lei 10.973/2004).

O “RR”, que batiza a semente alterada, tem origem no herbicida de mesmo nome e também produzido pela Monsanto. Isto, pois o agrotóxico — indispensável ao cultivo da semente modificada — torna o grão mais resistente, o que aumenta a produtividade.

“As questões debatidas na presente demanda transcendem os interesses meramente individuais, uma vez que estamos tratando de bem imprescindível para a própria existência humana, ou seja, o alimento, cuja necessidade é urgente e permanente”, finalizou o juiz Giovanni Conti, ao determinar que a decisão produzirá efeitos sobre pequenos, médios e grandes produtores de soja.

Contestação

A Monsanto defendeu-se ao sustentar ser detentora de diversas patentes devidamente registradas no Inpi (Instituto Nacional de Proteção Industrial), o que sustentaria a cobrança dos royalties.

Ressaltou também que a cobrança de taxas é a forma pela qual é remunerada pelos investimentos realizados no desenvolvimento da tecnologia. De acordo com a Monsanto, esse sistema ajuda a fomentar novos investimentos no setor.

Por compreender que a decisão da 15ª Vara Cível vai contra entendimentos anteriores do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), a defesa da Monsanto já declarou que, além do embargo, vai recorrer à segunda instância. A empresa afirma que a decisão do juiz Giovanni Conti está em desacordo com a legislação brasileira.

No STJ

Em paralelo, correm no STJ (Superior Tribunal de Justiça) ações específicas que questionam pontos processuais e técnicos sobre a matéria, que, de acordo com a relatora Nancy Andrighi, é “um dos temas de maior relevo hoje para o agronegócio brasileiro”. A rigor, dois aspectos estão sendo discutidos pelos ministros da 3ª Turma no Recurso Especial 1243386.

O primeiro diz respeito ao limite de abrangência da questão. Isto é, a sentença proferida pelo juiz gaúcho tem efeito apenas nas cidades em que têm sede os sindicatos autores? Ou, por se tratar de uma ação coletiva, a decisão afetará o país inteiro?

“O meu voto já foi no sentido de que há abrangência nacional”, afirmou a relatora Andrighi. “Outras comarcas poderiam prover decisões exatamente contrárias, gerando insegurança jurídica”, justificou.

O segundo aspecto questiona se os sindicatos têm legitimidade para ajuizar uma ação coletiva, mesmo que não esteja presente no estatuto interno cláusula que regulamente a questão.

“Basta reconhecer a finalidade do sindicato, que visa a atender as necessidades de seus filiados, para que possamos lhe outorgar a legitimidade ativa”, explicou a ministra, reconhecendo o direito.

Nas duas questões, o ministro Massami Uyeda acompanhou integralmente a relatora. Atualmente, o processo aguarda os votos dos Paulo de Tarso Sanseverino, Villas Boas Cueva e Sidnei Beneti, que havia pedido vista.
Felipe Amorim 

Número do processo: 10901069152
Anexos
Leia a íntegra da decisão proferida pela 15ª Vara Cível de Porto Alegre – (158 Kb)